domingo, 20 de janeiro de 2008

Os Bruxos e os Trouxas

Todos aqueles que por preconceito ou desinteresse deixaram de ler a série de livros que relatam as aventuras de Harry Potter perderam a oportunidade de conhecer a subdivisão das classes de pessoas estabelecida pela escritora J. K. Rowling.
No mundo ficcional criado por ela existem duas categorias de indivíduos: os bruxos, pessoas com capacidades especiais e poder de alterar o mundo, e os trouxas, todas as demais pessoas destituídas de tais habilidades.
Em Florianópolis, alcunhada “Ilha da Magia” pelos marqueteiros, o folclore inclui inúmeras lendas relativas a bruxas e bruxarias, o que os “trouxas” locais não percebem é que as verdadeiras bruxarias estão ocorrendo hoje, praticadas por bruxos eleitos, a última delas foi denominada moratória.
A desinformação e a falta de percepção da história recente da cidade levam as pessoas a acreditar que estão frente a um fato novo quando na verdade se trata apenas de um velho artifício, utilizado anteriormente, cujo resultado sempre foi o enriquecimento de políticos e burocratas corruptos.
Para entender melhor estas artimanhas bruxólicas vale recordar três eventos da história recente da cidade:

1 – O Plano Diretor de 1997.

A prefeita Angela Amin submeteu à Câmara de Vereadores um novo Plano Diretor para substituir aquele que estava em vigor desde 1976 e fora aprovado na primeira gestão de seu marido, Espiridião Amin, como prefeito de Florianópolis.
Durante os trâmites do texto na Câmara foram propostas pelos vereadores cerca de 300 alterações, a maioria de interesse da indústria da construção civil e dos grandes proprietários de imóveis.
Nenhuma delas foi incorporada ao texto do plano porém, em anos subseqüentes, foram aprovadas alterações pontuais de zoneamento, em sua maioria destinadas a atender os interesses dos mesmos grupos e indivíduos que patrocinaram as emendas apresentadas em 1996/97.
Entre estas alterações está incluída aquela que modificou o zoneamento na região da bacia do Itacorubi permitindo a construção de edifícios em locais que anteriormente estavam destinados a implantação de residências.
Curiosamente, a moratória que está sendo analisada pela Câmara de Vereadores visa eliminar os efeitos negativos de uma mudança pontual de zoneamento aprovada naquela casa.

Estão pedindo aos bruxos que revertam sua bruxaria!

2 – O Caso das transferências de Índice.

Em 2006 a Câmara de Vereadores, o “Grande Fórum da Bruxaria Mané”, aprovou uma lei que alterava os critérios estabelecidos no Plano Diretor de 1997 para a transferência do direito de construir, também conhecida como “Transferência de Índice”.
Este mecanismo malandro que permitia comprar índice de aproveitamento no Ribeirão da Ilha por meia dúzia de tostões, aplicando-o na avenida Beira Mar Norte onde passava a valer meia dúzia de milhões, seria substituído pela criação de regras mais rígidas em relação ao assunto.
Diversas empresas da construção civil, assustadas com a possível perda dos altos lucros decorrentes deste mecanismo embutido no plano diretor apresentaram, a toque de caixa, 70 projetos de construção de prédios que, miraculosamente, foram aprovados e licenciados pela SUSP em 35 dias, através de processos sumários os quais, sob circunstâncias normais, demandariam meses de tramitação.
Esta “bruxariazinha” foi muito rentável até o momento em que, por ação do Ministério Público, a lei aprovada pela Câmara foi declarada inconstitucional.
Neste caso os “trouxas” foram representados pela indústria da construção civil, que pagou em dobro por um produto que costumava comprar pela metade.


3 – Operação Moeda Verde

Em 3 de maio de 2006 a rede telefônica de Florianópolis foi sobrecarregada por telefonemas de pessoas que avisavam a amigos e conhecidos: “Ligue a televisão, você não vai acreditar, estão prendendo os maiores figurões da cidade”.
Era verdade, algumas das pessoas mais conhecidas do município, freqüentadoras habituais das colunas sociais, econômicas e políticas da mídia local estavam sendo encarceradas na sede da Polícia Federal.
Os mais esperançosos acreditaram que naquele momento estava ocorrendo uma reviravolta histórica no processo de uso do solo em Florianópolis, supostamente os “bandidos”, então encarcerados, cederiam lugar aos “mocinhos”, gente que iria atuar segundo as regras estabelecidas.
Trouxas, não foi este o final da história.

O epílogo real conta que os encarcerados foram liberados, alguns agraciados com cerimoniais de “desagravo”, e ficou tudo como sempre fora até então.
A operação Moeda Verde enfatizou que Florianópolis tem donos, eles são ciosos de sua propriedade, e não existem instituições públicas, municipais, estaduais ou federais com poderes suficientes para alterar este fato.
Ao contrário do que pensaram os trouxas a Moeda Verde não foi um tsunami, foi apenas uma marolinha.
A moratória proposta para as construções na bacia do Itacorubi representa apenas mais um capítulo nesta história do confronto entre bruxos e trouxas em que os trouxas sempre serão os perdedores.
Para mudar o epílogo desta história seria necessária uma mudança inconcebível no mundo de J.K. Rowling: os trouxas teriam de reagir, coisa que nunca ocorreu antes.
Do ponto de vista urbanístico a moratória proposta é coerente, ela propõe a criação da infra-estrutura de serviços (água, esgoto, transporte e energia) para atender à demanda destes serviços gerados pela construção de edifícios e conjuntos residenciais numa região historicamente carente de tais benefícios.
Por outro lado, atrela o processo de desenvolvimento regional a zoneamentos adequados que serão estabelecidos pelo novo plano diretor, cuja aprovação não tem prazo definido.


Outra medida que está sendo analisada pela Câmara de Vereadores é a regularização dos estabelecimentos comerciais que atualmente funcionam com sustentação legal precária graças ao chamado “ex-oficio”.
Segundo o texto submetido a Câmara, os estabelecimentos que funcionam sob esta condição teriam um ano para legalizar sua situação junto à municipalidade por meio de processos que deverão ser encaminhados à SUSP.
Ocorre que a SUSP é comprovadamente o órgão mais corrompido da administração municipal. Os inquéritos da Polícia Federal demonstram que o IPUF, até então considerado um órgão idôneo, também conta com sua parcela de funcionários cuja integridade é colocada em dúvida.
Boa parte dos estabelecimentos que operam sob o regime “ex-ofício”, possuem alvarás expedidos pela Vigilância Sanitária e pelo Corpo de Bombeiros, sua situação semilegal decorre da postura da SUSP e/ou do IPUF.
Segundo o texto enviado a Câmara de Vereadores a legalização dos estabelecimentos que operam em regime “ex-ofício” depende de trâmites junto a estes órgãos que inviabilizaram esta possibilidade anteriormente.

Solução :

Caso houvesse real interesse da municipalidade em legalizar os estabelecimentos que hoje funcionam de forma precária seriam necessárias algumas medidas :

1 – Excluir a SUSP e o IPUF do processo.

2 – Criar uma secretaria provisória para regularização dos estabelecimentos que operam em regime “ex-ofício”.

3 – Esta secretaria deveria ser constituída por técnicos contratados por período determinado (Sem vinculo com a SUSP ou IPUF).

4 – Estabelecer esta secretaria provisória em espaço compartilhado com a Vigilância Sanitária e o Corpo de Bombeiros.

5 – Colocar “on-line” todos os processos de regularização de estabelecimentos comerciais para permitir o livre acesso aos trâmites.

6 – Instalar esta secretaria em um espaço controlado por “Web-cams” que permitam a livre visualização das atividades ali desenvolvidas.

Como sabemos, as hipóteses acima relacionadas eliminariam qualquer possibilidade de “interferência política” nos processos, ou seja, eliminaria a hipótese de cobrança de propinas em um ano eleitoral, sedento de “verbas de campanha”.
Significa que os bruxos continuarão fazendo suas bruxarias e os trouxas, como sempre, permanecerão trouxas.

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