sexta-feira, 25 de janeiro de 2008

Crescimento e turismo desordenados ameaçam encantos de Floripa

Uol ; Antonio Biondi ; 25/1/2008

Com seus inúmeros encantos e belezas, Floripa é atualmente um dos principais destinos turísticos do país e de quem busca melhorar de vida em uma nova cidade. O futuro do paraíso, porém, está em jogo, ameaçado pelo crescimento recente.

A idéia de estar em Florianópolis entre dezembro e fevereiro, especialmente no Réveillon e Carnaval, anima brasileiros, "hermanos" e um contingente cada vez maior de pessoas de outraMs regiões do mundo. As praias e tradições, a história e natureza locais, a diversidade e as perspectivas... tudo convida e seduz o turista e os novos moradores.
Quem esteve na Ilha da Magia no feriado do Ano Novo, porém, se viu obrigado a conviver com engarrafamentos intermináveis, falta de água em alguns bairros e de luz em outros tantos, e de perceber, também, mudanças intensas na cidade. Os problemas ainda estão longe de fazer frente ao que Floripa oferece de melhor, mas o discurso de que as dificuldades estão relacionadas somente ao período de maior visitação já não se sustenta.


Entre 1980 e 2007, a população de Florianópolis mais que dobrou. O município, composto pela Ilha de Santa Catarina (conhecida carinhosamente por Ilha da Magia) e por uma parte no continente, viu seu número de habitantes saltar de 187.880 para cerca de 400 mil, segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Para se ter uma idéia, no mesmo período, a população do Brasil variou aproximadamente 58%.

Para quem sonha em se mudar para Florianópolis como uma forma de viver "em um pedacinho do Brasil" livre dos conflitos sociais, econômicos e ambientais - e dos escândalos que têm marcado a cena política nacional desde sempre -, um aviso a respeito do paraíso. Nos últimos anos, Florianópolis tem sido palco de conflitos intensos, que vão dos protestos por melhorias no transporte público e pelo passe livre à Operação Moeda Verde, da Polícia Federal (PF).

As investigações da PF e do Ministério Público Federal trouxeram à tona graves problemas no atual modelo de desenvolvimento da cidade, como a venda de licenças ambientais para empreendimentos imobiliários e hoteleiros de grande monta. As denúncias do gênero já levaram à cassação de vereadores e ao embargo de alguns grandes empreendimentos - boa parte segue em construção ou já foi inaugurada -, além de terem dado vazão a escândalos que geraram constrangimentos até à atual gestão da prefeitura. No inquérito da PF, foram indiciadas 22 pessoas, inclusive o prefeito Dário Berger.

Os conflitos e escândalos que se espraiam pelos bastidores político-econômicos da Ilha da Magia saltam à vista, envolvem todas as regiões, paisagens e classes sociais. Morando há alguns meses em Florianópolis, Maria Tereza Jorge Pádua, ex-presidente do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), logo percebeu "as casas subindo até o alto dos morros; descendo quase até o mar; e feitas em dunas, restingas, mangues", em "total desrespeito à legislação". Para Marc Dourojeanni, consultor do Banco Mundial na área Ambiental e casado com ela, "a consciência ambiental, inclusive no governo, vem crescendo, mas o 'partido' vencedor é o do lucro".

A carência habitacional e o aumento dos marginalizados são elementos perturbadores. Dados do Sinduscon (entidade patronal da construção civil) apontam para a existência de 63 favelas em Florianópolis. A entidade estima que um terço dos moradores da capital viva em situação de risco.

Nos Ingleses, a poucos metros da praia e encravada sobre as dunas - área de preservação permanente por excelência -, a comunidade do Arvoredo, mais conhecida por favela do Siri, aguarda solução para as quase 200 famílias que vivem no local. O problema se arrasta há anos. Vindos de várias regiões do país, sobretudo do interior catarinense, os moradores quase conquistaram a mudança para comunidades próximas. Abaixo-assinados feitos nos bairros de destino, contudo, impediram a solução. Glauceli Carvalho Ramos Branco, a Galega, da associação de moradores, reconhece a necessidade de deixarem a área, mas defende que "o problema não é só da gente", mas "de toda comunidade" do município.

Em uma cidade que depende do mar para tudo, os baixos índices de saneamento são outro grave problema. De acordo com a Casan (Companhia Catarinense de Águas e Saneamento), a coleta e tratamento de esgoto abrangem somente 50% dos domicílios da capital - em 2001, o percentual tratado era ainda menor: 40,5%. A assessoria de imprensa da Casan afirmou à reportagem que estão ingressando recursos do PAC do governo federal (Programa de Aceleração do Crescimento) que devem elevar o índice para cerca de 70%.

Ao mesmo tempo, o contingente de turistas se amplia a cada ano e, entre 1986 e 2006 o número de visitantes triplicou. Limitar o número de visitantes ou impedir a chegada de novos moradores certamente não está entre as soluções mais indicadas e desejáveis. Para que a cidade não enverede pelos caminhos tortuosos de outras capitais brasileiras, entretanto, precisará se planejar. E priorizar não só o presente.

No primeiro semestre de 2008, o plano diretor de Florianópolis (lei que traz as diretrizes para o desenvolvimento do município nos próximos anos) deve ser elaborado e votado. Para Ildo Rosa, diretor-presidente do Instituto de Planejamento Urbano de Florianópolis (Ipuf), órgão ligado à prefeitura, o processo de discussões e decisão "será uma luta bastante renhida". Sua expectativa, porém é a de "um plano mais restritivo, cidadão e humano", que colabore na construção de um futuro melhor para a cidade.

Para o Padre Wilson Groh, que atua nas comunidades carentes do Maciço do Morro da Cruz, estão em jogo na Grande Florianópolis dois grandes projetos: "um de internacionalização da Ilha e outro de uma cidade inclusiva, humana". Ele defende que "esses dois projetos não podem trabalhar em oposição", mas, sim, "encontrar saídas".

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